Palavras do Criador

O Horror Show surgiu de modo a me ajudar expressar minhas ideias. Gosto quando as pessoas escutam minhas narrativas, quando se sentam nas mesas de RPG para fazerem parte da história, então muito do que escrevo aqui fez ou fará parte de alguma crônica, sessão ou enredo ou as veses as história não podem ir para a mesa e acabam indo pro Blog. Então para aqueles que gostam de Histórias de Horror, sintam-se a vontade!!!

sábado, 27 de março de 2010

Sobre o Fruto do Pecado

“Todos de pé”

O som ritmado de sapatos e botas dos fieis forçando o chão para deixá-los de pé ecoava por todo salão comunal. Eu estava distraído nesta hora e percebi apenas os olhares reprovando minha total falta de atenção. Ainda estava sentado.

“Ele é o senhor e nos salvará! Por mais que pequemos contra Ele, por mais que nos agarremos aos bens materiais. Se rogarmos e nos arrependermos Ele nos aceitará em Seu Reino...”

Realmente as palavras de Jeremias tocavam a alma daquelas pessoas. Tanta eloqüência escondia a lavagem cerebral gradual que elas sofriam. Enquanto o pastor descrevia os “Mistérios”, os fieis fechavam os olhos e clamavam com as mãos sobre a cabeça. Senti que era hora de agir. Aproximei-me o máximo do altar, estava bem em baixo do seu nariz. As preces aumentaram.

“Entregue-se irmão, pois a força superior está entre nós. Deixe que invada seu espírito. Não fraqueje irmão. ENTREGUE-SE! AGORA! Ele lhe consome!”

Você não acreditaria e nem compreenderia o que vi ali. As pessoas choravam, gritavam e caiam aos montes pelo chão da “igreja”. Loucura! Eles estavam fora de si, Jeremias gritava em uma língua estranha para mim e a cada palavra a expressão de desespero na face dos fieis era mais forte.

Eles estavam sofrendo! E gostavam daquilo!

Como um homem pode, com apenas algumas palavras, levarem ao delírio coletivo desse jeito? Não era normal, me dei conta disso e tomei a iniciativa. Tinha de descobrir, desmarcara-lo. Enquanto todos estavam distraídos ou delirando encontrei uma oportunidade de me esconde e esperar tudo terminar, assim poderia seguir com minhas investigações.

Não demorou mais tanto tempo para o termino do “culto”. De dentro do armário onde eu estava escutava apenas os passos de alguém descendo as escadas do altar. Era ele, Jeremias.

“Satisfeito? Eu estou! O rebanho cresce e progride, sua fé nos alimenta. Breve, nos separaremos, não precisarei mais do seu corpo e você será bem-vindo em minha casa.”

Pouco depois ele se foi. E eu vim até o senhor.

Entendi tudo agora, os livros, os símbolos... Ele não estava sozinho. Ele não era sozinho.

Azazel tomara conta do seu corpo.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Legado (Primeira Parte)

Sob a luz do luar mais um casal apaixonado caminha pelas ruas do parque municipal. Quem diria que eles teriam tanto em comum, os mesmo gostos e prazeres, menos ainda são aqueles que pensavam que os dois passariam tanto tempo juntos. Hoje estão com mais de 40 anos de casado em uma relação que nunca deixa de surpreender.

Nesta manhã eles resolveram adotar um filho, tragicamente a mulher e estéril e nunca pode ter um bebe. Alguns pensariam com estranheza, já que eles estão velhos e podiam ter adotado anos antes uma criança, e ela já estaria, quem sabe, casada hoje. Mas acontece que ninguém conhece realmente o casal e o motivo da adoção.

Posso lhes disser algo real sobre eles e o verdadeiro ensejo da adoção. Eles estão morrendo, mas é claro, afinal estão velhos, viveram muito e aprenderem muito todos estes anos agora precisam de alguém para passar sua herança. Não é fortunas ou algum tipo de propriedade, o legado que eles passarão a inocente infante é sombrio.

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- Podem entrar senhores. – a vozzinha rouca e perturbadora da mulher sentada ao lado do balcão chama a atenção do velho casal.

Os dois levantam-se lentamente, como se ainda tivessem a eternidade pela frente e caminham rumo a sala cuja placa indica “Diretor”. Do outro lado avistam uma bela sala, ornamentada com estantes de livros, quadras e curiosas peças esculturais. Os dois param alguns segundos para contemplar antes de finalmente sentarem-se à mesa.

- Bom dia senhores! Então querem adotar uma criança? – O homem esboça um largo sorriso enquanto pronuncia seu velho jargão. É de notar que pela sua cara que já está cansado de esse serviço assistencial, talvez estivesse na hora de um substituto.

- É pra isso que estamos aqui. Infelizmente minha mulher nunca pode ter filhos e durante nossa juventude nunca paramos em casa, agora que as coisas se acalmaram e nos aposentamos queremos dividir tudo que temos e aprendemos com uma criança bem esperta. – O velho realmente é bem direto em suas palavras, para não sobrar espaço pra muitas perguntas, mas o homem do outro lado, já cansado, é facilmente deixado levar pela eloqüência do mais velho.

- Procuramos uma criança entre seus três e cinco anos de idade, bem esperta e que compreenda bem as coisas, com pouca dificuldade em tarefas básicas. O senhor está me entendendo? – em uma tonalidade de voz mais elevada a mulher chama a atenção do destruído diretor que por pouco não despenca de sua cadeira.

O Homem levantasse com o susto, caminha em direção ao arquivo metálico. Não fala nada, ele já compreendeu o anseio do casal, demanda algum tempo remexendo nos documentos e calmamente retira uma velha pasta amarelada, analisa pela ultima vez, e entrega ao casal.

-Esta é sua filha!

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A primeira noite de uma criança em uma casa estranha é sempre assustadora e a menina não se sentia diferente. Estava só, em um quarto escuro e desconhecido, o vento soprava forte nas janelas e era como se alguém as arranhassem, a pouca luz do luar que entrava pela janela criava sombras disformes que na imaginação de uma criança ganhava vida, tornava-se um monstro! Qualquer respiração forte poderia chamar a atenção e olhar diretamente para aquele ser poderia atrair sua ira. O melhor a se fazer era tentar fechar os olhos e dormir.

Na manha seguinte a tranqüilidade invadia a atmosfera do quarto e todo sofrimento da noite anterior não passara da lembrança de um antigo pesadelo. Alivio, ela pensava, tinha sobrevivido a primeira noite, então daqui em diante estaria tudo ótimo.

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segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Meio Dia

Meio dia.
Não é uma boa hora para morrer.
O sol escaldante faz-me sentir como se estivesse derretendo.
Não é a morte que dói, nem saber que sua boa vida acaba aqui. O que dói é a situação em que ela vem te buscar.
Não há nada de bonito numa morte ao meio-dia, tão pouco é poético. Sempre pensei que morreria como os grandes heróis de filmes e livros fantásticos que lia na infância... Mas ao meio dia nos confins de uma estradinha de terra batina no meio do nada, com duas malditas aves cutucando sua cavidade ocular vazia...
...Se ao menos eu pudesse ter meus olhos de volta...

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Glória Eterna

Ah! A Cavalaria, quantas historias temos para contar, quantos heróis povoaram o mundo sob o brasão de seu Senhor. Aqui está mais um... Que forma de descrevê-lo, mais um! Outros heróis morreram em combate, de doenças ou em suas camas acariciados pelo tempo. Entretanto, o herói que vos digo é imortal. Seria tanta gloria para ele ser imortal e não poder ser lembrado como herói e sim como aberração? Seria tanta honra para ele lutar em prol de seu senhor que desapareceu a mais cinco séculos? O que pensar da Imortalidade então? Maldição. É a única palavra a ser considerada real ao cavaleiro imortal. Contudo, ele ainda ostenta um pouco de sensibilidade, pois na noite que vos descrevo, esta maldita criatura repousa sentado em sua poltrona à frente da lareira de sua mansão, o como se não bastasse sua arrogância, esta a ensinar erudições a seu jovem filho... Filho? Sim, são os laços humanos, estão por correr em suas veias... Até quando?

domingo, 17 de janeiro de 2010

Sob a luz do Luar.


Belém, PA 13 de Agosto de 1999.

Trecho Retirado de um Jornal Local.

(...) Mais uma vítima feita pelo tenebroso “assassino da lua cheia”. Esta é a terceira vítima, um jovem estudante de direito da Universidade Federal do Pará (...). Ao que parece o estudante voltava para sua residência por volta das 23:00 horas quando foi atacado, os cortes feitos a faca por todo lado esquerdo da vítima mostra a “assinatura” do assassino serial (...). No primeiro ataque ele fez questão de chamar a policia na cena do crime, dizendo seu nome e suas intenções “(...) durante este ano inteiro, quando a lua cheia estiver em seu auge eu atacarei, não mostrarei piedade, como um lobo devora sua presa, eu devorarei esta sociedade até todos se darem conta da mentira onde estamos mergulhados. Se vocês não sabem a verdade não merecem viver, não merecem sofrer... eu os libertarei!”


Ilha do Marajó, PA 01 de Janeiro de 2000.

Gravação feita por um Capitão do Corpo de Bombeiros do Estado do Pará.

“Lembro que estava atravessando de barco para a ilha do Marajó, ia passar o réveillon com minha família, sabe eu to morando em Belém agora, trabalhando numa grande empresa... Uma chuva da pesada começou a cair, e isso no meio do rio não é bom sinal, ficava mais e mais pesada, a água jogava muito e só piorava. Dentro do barco as pessoas estavam preocupadas, vi umas senhoras rezando e se benzendo, alguns mais cuidadosos colocavam os coletes, não eram tão seguros, mas era o que tínhamos e eu peguei um também. De repente as luzes do barco começaram a falhar e começou uma gritaria e uma choradeira, escutava barulhos estranhos vindo do motor do barco, como se tivesse com problemas, eu conheço um pouco de barcos, né? Escutei também o rapaz que conduzia e ele dizia ‘tem muita água, tem muita água, vai estragar tudo’. Daí começou a virar antes de eu me jogar no rio ainda tentei ajudar algumas pessoas, mas tive de pensar rápido ou eu pulava ou me afogava. Pulei. O colete ainda salvou um pouco, e vi muita gente se afogando sem colete e outros nadando pra tentar alcançar uma beira, tava jogando muito e a chuva tava forte era quase impossível se salvar assim. O meu colete começou a ficar muito pesado e tava afundando, eu não sei nadar, só prendi a respiração e pedi pra Deus me livrar dos meus pecados, nessa hora eu não conseguia mais respirar e apaguei. Quando acordei depois ainda tava noite e eu tava tonto, não vi muita coisa, só arvores e mato, também não conseguia falar, alguém tava me arrastando pela mata, era grande e tinha as mãos peludas, eu sei por que roçava na minha cara, não vi o rosto dele era escuro demais, mas escutava uns rugidos tipo de bicho e um cheiro forte de urina, achei até que ele tinha mijado em mim, depois daí não sei o que aconteceu, apaguei de novo. Acordei agora quando vocês chegaram com o resgate. Disseram que fiquei apagado dois dias?”

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

A Ceia


Sim... eu trabalhei lá, durante muitos anos fui o faxineiro dos gabinetes centrais, apenas eu e os senhores Henri Castelo Bohr e Ricardo Almeida Zieg tinham acesso ao local. Ali era onde as reuniões com os acionistas aconteciam e eu ouvi muita coisa enquanto trabalhava, políticos corruptos se reuniam lá para se banhar em dinheiro sujo, mafiosos de toda parte do Brasil, e não to falando de traficantezinho, mas dos chefões do crime, na época a ditadura garantia uma boa aposentadoria para estes figurões. Não posso dizer que eles eram meus amigos, mas com certeza confiavam em mim, por isso era o faxineiro daquela parte do prédio, e por isso no quinto ano de trabalho eles me presentearam com a insígnia, eu não entendi direito, mas conhecia muito bem aquilo da época do holocausto, os judeus que não podiam morrer portavam uma daquelas, eu sou judeu, mas não me senti ofendido. Meses depois recebi outro presente, a chave de acesso ao subsolo, onde ficavam os antigos trilhos do metrô e mais abaixo. Eles disseram que o antigo faxineiro de lá sofreu um ‘acidente de trabalho’ e não podia mais fazer o serviço. Pensei que fosse algo simples, só lavar e pronto, e como estava enganado com a insígnia também me enganei com aquilo. No meu primeiro dia de limpeza, lembro-me bem que o senhor Henri falou ‘você sabe dos nossos negócios, então não se assuste com que vai encontrar por lá!’, pensei no pior... mas não chegava nem perto. Desci, e o maldito subsolo era um maldito cemitério, pior que isso, era um matadouro, corpos, sangue e vísceras espalhadas para todo lado, pilhas de ossos, pensei ter descido tanto que cheguei ao inferno, daí pensei que ali era onde estes malditos militares depositavam os milhares de desaparecidos da época da ditadura. Que merda. Demorou pra que eu me acostumasse ao novo serviço, pensei em chamar as autoridades, mas eles estavam todos lá, no salão oval e às vezes me cumprimentavam. Imagine só! Mas logo meu salário aumentou, meus patrões me tratavam como se eu fosse da alta sociedade e não tinha o que reclamar. Então chegou o ano em que a ditadura foi derrubada, mas os corpos continuavam a chegar, logo pensei naqueles chefões do crime, mas eles também não freqüentavam mais o salão e pouco a pouco, após a ditadura, os figurões iam sumindo até restar apenas os meus patrões, porem os corpos continuavam a chegar. Tentei perguntar a origem daquilo uma vez, mas fui severamente repreendido, então resolvi descobrir sozinho. Os corpos vinham no ultimo metrô, então exatamente as 03h00min da madrugada ele passava pela última estação e descia pelos trilhos antigos até o subsolo da estação de água, quando todos desceram me escondi e os corpos chegaram, um homem realmente muito grande e forte trazia-o. O metrô seguia até onde eu passava minhas manhãs limpando, naquele inferno. O condutor descarregava os corpos e soava um estranho alarme... É vocês não vão acreditar em mim agora. Das profundezas daquele inferno, eu vi com meus próprios olhos... Dez talvez quinze criaturas rastejantes, deformadas, com milhares de dentes pontiagudos saltando-lhes da boca enorme devorando toda aquela carne humana como canibais, não pude olhar muito, mas aquela visão e os gritos das criaturas brigando por aquele banquete infernal... Não pude mais agüentar...”

...Este conto é baseado na obra de Clive Baker 'The Midnight Meat Train'...