Palavras do Criador

O Horror Show surgiu de modo a me ajudar expressar minhas ideias. Gosto quando as pessoas escutam minhas narrativas, quando se sentam nas mesas de RPG para fazerem parte da história, então muito do que escrevo aqui fez ou fará parte de alguma crônica, sessão ou enredo ou as veses as história não podem ir para a mesa e acabam indo pro Blog. Então para aqueles que gostam de Histórias de Horror, sintam-se a vontade!!!

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Glória Eterna

Ah! A Cavalaria, quantas historias temos para contar, quantos heróis povoaram o mundo sob o brasão de seu Senhor. Aqui está mais um... Que forma de descrevê-lo, mais um! Outros heróis morreram em combate, de doenças ou em suas camas acariciados pelo tempo. Entretanto, o herói que vos digo é imortal. Seria tanta gloria para ele ser imortal e não poder ser lembrado como herói e sim como aberração? Seria tanta honra para ele lutar em prol de seu senhor que desapareceu a mais cinco séculos? O que pensar da Imortalidade então? Maldição. É a única palavra a ser considerada real ao cavaleiro imortal. Contudo, ele ainda ostenta um pouco de sensibilidade, pois na noite que vos descrevo, esta maldita criatura repousa sentado em sua poltrona à frente da lareira de sua mansão, o como se não bastasse sua arrogância, esta a ensinar erudições a seu jovem filho... Filho? Sim, são os laços humanos, estão por correr em suas veias... Até quando?

domingo, 17 de janeiro de 2010

Sob a luz do Luar.


Belém, PA 13 de Agosto de 1999.

Trecho Retirado de um Jornal Local.

(...) Mais uma vítima feita pelo tenebroso “assassino da lua cheia”. Esta é a terceira vítima, um jovem estudante de direito da Universidade Federal do Pará (...). Ao que parece o estudante voltava para sua residência por volta das 23:00 horas quando foi atacado, os cortes feitos a faca por todo lado esquerdo da vítima mostra a “assinatura” do assassino serial (...). No primeiro ataque ele fez questão de chamar a policia na cena do crime, dizendo seu nome e suas intenções “(...) durante este ano inteiro, quando a lua cheia estiver em seu auge eu atacarei, não mostrarei piedade, como um lobo devora sua presa, eu devorarei esta sociedade até todos se darem conta da mentira onde estamos mergulhados. Se vocês não sabem a verdade não merecem viver, não merecem sofrer... eu os libertarei!”


Ilha do Marajó, PA 01 de Janeiro de 2000.

Gravação feita por um Capitão do Corpo de Bombeiros do Estado do Pará.

“Lembro que estava atravessando de barco para a ilha do Marajó, ia passar o réveillon com minha família, sabe eu to morando em Belém agora, trabalhando numa grande empresa... Uma chuva da pesada começou a cair, e isso no meio do rio não é bom sinal, ficava mais e mais pesada, a água jogava muito e só piorava. Dentro do barco as pessoas estavam preocupadas, vi umas senhoras rezando e se benzendo, alguns mais cuidadosos colocavam os coletes, não eram tão seguros, mas era o que tínhamos e eu peguei um também. De repente as luzes do barco começaram a falhar e começou uma gritaria e uma choradeira, escutava barulhos estranhos vindo do motor do barco, como se tivesse com problemas, eu conheço um pouco de barcos, né? Escutei também o rapaz que conduzia e ele dizia ‘tem muita água, tem muita água, vai estragar tudo’. Daí começou a virar antes de eu me jogar no rio ainda tentei ajudar algumas pessoas, mas tive de pensar rápido ou eu pulava ou me afogava. Pulei. O colete ainda salvou um pouco, e vi muita gente se afogando sem colete e outros nadando pra tentar alcançar uma beira, tava jogando muito e a chuva tava forte era quase impossível se salvar assim. O meu colete começou a ficar muito pesado e tava afundando, eu não sei nadar, só prendi a respiração e pedi pra Deus me livrar dos meus pecados, nessa hora eu não conseguia mais respirar e apaguei. Quando acordei depois ainda tava noite e eu tava tonto, não vi muita coisa, só arvores e mato, também não conseguia falar, alguém tava me arrastando pela mata, era grande e tinha as mãos peludas, eu sei por que roçava na minha cara, não vi o rosto dele era escuro demais, mas escutava uns rugidos tipo de bicho e um cheiro forte de urina, achei até que ele tinha mijado em mim, depois daí não sei o que aconteceu, apaguei de novo. Acordei agora quando vocês chegaram com o resgate. Disseram que fiquei apagado dois dias?”

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

A Ceia


Sim... eu trabalhei lá, durante muitos anos fui o faxineiro dos gabinetes centrais, apenas eu e os senhores Henri Castelo Bohr e Ricardo Almeida Zieg tinham acesso ao local. Ali era onde as reuniões com os acionistas aconteciam e eu ouvi muita coisa enquanto trabalhava, políticos corruptos se reuniam lá para se banhar em dinheiro sujo, mafiosos de toda parte do Brasil, e não to falando de traficantezinho, mas dos chefões do crime, na época a ditadura garantia uma boa aposentadoria para estes figurões. Não posso dizer que eles eram meus amigos, mas com certeza confiavam em mim, por isso era o faxineiro daquela parte do prédio, e por isso no quinto ano de trabalho eles me presentearam com a insígnia, eu não entendi direito, mas conhecia muito bem aquilo da época do holocausto, os judeus que não podiam morrer portavam uma daquelas, eu sou judeu, mas não me senti ofendido. Meses depois recebi outro presente, a chave de acesso ao subsolo, onde ficavam os antigos trilhos do metrô e mais abaixo. Eles disseram que o antigo faxineiro de lá sofreu um ‘acidente de trabalho’ e não podia mais fazer o serviço. Pensei que fosse algo simples, só lavar e pronto, e como estava enganado com a insígnia também me enganei com aquilo. No meu primeiro dia de limpeza, lembro-me bem que o senhor Henri falou ‘você sabe dos nossos negócios, então não se assuste com que vai encontrar por lá!’, pensei no pior... mas não chegava nem perto. Desci, e o maldito subsolo era um maldito cemitério, pior que isso, era um matadouro, corpos, sangue e vísceras espalhadas para todo lado, pilhas de ossos, pensei ter descido tanto que cheguei ao inferno, daí pensei que ali era onde estes malditos militares depositavam os milhares de desaparecidos da época da ditadura. Que merda. Demorou pra que eu me acostumasse ao novo serviço, pensei em chamar as autoridades, mas eles estavam todos lá, no salão oval e às vezes me cumprimentavam. Imagine só! Mas logo meu salário aumentou, meus patrões me tratavam como se eu fosse da alta sociedade e não tinha o que reclamar. Então chegou o ano em que a ditadura foi derrubada, mas os corpos continuavam a chegar, logo pensei naqueles chefões do crime, mas eles também não freqüentavam mais o salão e pouco a pouco, após a ditadura, os figurões iam sumindo até restar apenas os meus patrões, porem os corpos continuavam a chegar. Tentei perguntar a origem daquilo uma vez, mas fui severamente repreendido, então resolvi descobrir sozinho. Os corpos vinham no ultimo metrô, então exatamente as 03h00min da madrugada ele passava pela última estação e descia pelos trilhos antigos até o subsolo da estação de água, quando todos desceram me escondi e os corpos chegaram, um homem realmente muito grande e forte trazia-o. O metrô seguia até onde eu passava minhas manhãs limpando, naquele inferno. O condutor descarregava os corpos e soava um estranho alarme... É vocês não vão acreditar em mim agora. Das profundezas daquele inferno, eu vi com meus próprios olhos... Dez talvez quinze criaturas rastejantes, deformadas, com milhares de dentes pontiagudos saltando-lhes da boca enorme devorando toda aquela carne humana como canibais, não pude olhar muito, mas aquela visão e os gritos das criaturas brigando por aquele banquete infernal... Não pude mais agüentar...”

...Este conto é baseado na obra de Clive Baker 'The Midnight Meat Train'...


sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

O Segredo da Criação

No Principio Deus criou os Anjos. Seres quase tão perfeitos quanto Ele, e quase tão poderosos. Porém eles tinham um defeito. O único defeito que trouxe a ruína para a existência de tudo, eles eram orgulhosos. E como tal não gostariam apenas de servir, mas de serem servidos também. E o Senhor com toda sua compaixão presentearam-lhes com a humanidade para que pudessem servir-lhes. Contudo os homens não podiam saber da existência divina e para estarem entre eles os Anjos disfarçaram-se de estrelas, e assim podiam observar de perto.

O orgulho dos Anjos deu lugar à avareza e eles não queriam mais apenas observar, mas interagir com a humanidade. E mais uma vez o pedido dos anjos foram atendidos, o Criador permitiu que os Anjos se aproximassem dos homens, falassem com os homens e ajudassem os homens, mas não podiam saber da existência divina ou da natureza verdadeira dos Anjos, então eles se disfarçaram de animais. E por um tempo ficaram felizes.

Com o passar das eras os Anjos ficaram descontentes com a humanidade, pois estes se mostraram tão ignorantes que pouco evoluí após tanto tempo, assim os Celestiais enfureceram-se. A Ira dos anjos caiu sobre a humanidade como desastres naturais, porém provocados pela pura frustração. Foi a primeira vez que Deus chorou, era insuportável para Ele que seus primogênitos, acometidos pela ira irracional, torturassem seus filhos mais jovens. Logo Deus deu-lhes a terceira concessão e permitiu que os homens soubessem sobre a natureza divina. As eras posteriores seguiram-se de muitas descobertas e harmonia entre os homens e os Anjos.

Caminhar com a humanidade só deu lugar a mais uma das imperfeições dos primeiros filhos do Senhor. Eles perceberam o que os tornavam tão diferente dos homens e o que tornavam os homens tão mais perfeitos que eles. Os homens, diferente dos seres divinos, não eram imortais, eles envelheciam e morriam com o tempo, mas assim como os bichos eles proliferavam e procriavam deixando assim um legado de sangue, para que os outros soubessem de sua existência. Eles podiam conceber filhos, como Deus concebeu os Anjos. Já estes últimos eram desprovidos de sexo ou da vontade de amar como ama um homem a uma mulher. E mais uma vez ele foram até o Criador. Mas desta vez ele não cedeu, ao contrario, ele abominou tal pedido, pois aquela era a forma que os animais e os humanos tinham para serem imortais, já as criaturas divinas eram imortais por natureza. Entretanto alguns anjos sentiram insatisfeitos e lesados, pois eram eles os primogênitos e não aquela raça inferior que tanto demorou em evoluir. E estes Anjos entregaram-se a luxúria, desrespeitando o Pai Celestial, procriando e apaixonando-se pelos prazeres dos homens.

Deus, enfurecido por ter sido desobedecido declarou que aqueles anjos eram traidores e como tal não podiam mais ser chamados de seres divinos, como punição Ele arrancou ou deformou suas asas e apagou-lhes toda luz de sua existência. Inconformados com a atitude do seu Criador estes Anjos rebelaram-se, assim deu-se inicio a Primeira Guerra Celestial, pois os traidores acometidos pela inveja ao ver seus irmãos esbanjando toda atenção do Pai Celestial, queriam seus direitos de filho novamente.

Quando a guerra chegou ao fim os traidores forram arremessados para região mais afastada da existência para que passassem sua eternidade refletindo sobre todo mal que cometeram perante seu Criador. A queda destes Anjos, agora chamados de Caídos, pois não eram mais bem-vindos nos reinos do céu, abriu um grande buraco nos confins da existência, a este lugar, onde agora era sua morada, eles chamaram de Abismo, pois o buraco era tão profundo que eles durariam a eternidade para subir.

Ficou declarado a partir daí que nenhum Anjo poderia mais ter contato com os humanos, e com o passar das eras a humanidade esqueceu-se de seus irmãos mais velhos e dos segredos que eles lhe ensinaram. Logo eles pararam de evoluir e caminharam novamente a seu próprio passo, em um ritmo lento, preguiçoso. Lento o suficiente para que os Caídos pudessem tramar sua vingança. E com o passar de muitas eras um Caído descobriu um jeito de sair daquele abismo, cavando mais fundo e quanto mais fundo o abismo era cavado, mais perto do mundo dos homens ele podia chegar, até que uma brecha se abriu entre o Abismo e a Terra e o Caído atravessou para o mundo dos humanos. O nome deste Caído se perdeu depois de muitas era, mas ele ainda é conhecido por muitos outros nomes e Lucibel é como ele gostava de ser chamado.

Lucibel planejava sua vingança enquanto estava no Abismo, e agora, na Terra, só pensava em libertar seus irmãos, mas para isso precisa da energia que não tinha e durante séculos caminhou entre a humanidade buscando essa energia até descobrir o potencial humano, o potencia da Fé e da crença. Por mais que não soubessem, os tolos humanos podiam fazer milagres como os anjos, bastavam acreditar. O Caído sabia como usar aquela arma magnífica que era a fé mortal e começou a erguer seu exercito maldito, hordas de humanos corrompidos pela eloqüência do Caído, mais e mais humanos tornavam-se monstros, destorcidos pela escuridão que provinha de onde outrora havia luz um exército se formava. O exército de um Anjo que caíra.

Tão logo as falanges celestiais souberam da fuga de Lucibel e seu exército e mais uma vez a guerra foi declarada, mas agora existia um elemento diferente na guerra, pois não bastava apenas os dois lados se engalfinharem em uma luta eterna, pois entre os dois existia a humanidade e cada vez mais humanos desacreditavam no Criador, pois a propaganda de Lucibel era forte e voraz. A guerra começou, mas não nos campos de batalha, desta vez não se tratava mais de derramar sangue, mas de salvar almas ou corrompe-las. Entretanto Lucibel já estava a muitos passos na frente dos Anjos Celestes, ele havia escolhido seus generais, e a cada um desses humanos ele deu um dom especial, mas a cada dom cedido por uma criatura corrompida brota-se uma maldição.

Aos que foi cedida a vida eterna, estes teriam de se alimentar de sangue e nunca mais olhar para o sol. Aos que podiam se transformar em fera, estes tornavam selvagens pelo resto da vida. Aos que gostariam de uma parte do poder de Lucibel, estes ficaram egoístas e avarentos e nunca se satisfariam com o que tinham. E muitos seguintes exigiram diferentes coisas e sempre acompanhados de uma maldição. Entretanto, tornar-se um servo do Caído era como vender a alma para ele e muitos se arrependiam e procuravam os Anjos, e muitos dos servos Celestiais ficavam gananciosos e procuravam Lucibel.

A guerra se alastrava outros Caídos seguiram os passos do Primeiro, que era como lhe chamavam, encontrando a brecha deixada no Abismo, lentamente a brecha se abria ainda mais e em alguns séculos a entrada e saída dos Caídos ao Abismo eram constantes, ali eles formaram sua sociedade, imitando um pouco a antiga morada Celeste e a vida humana. Andando entre os mortais, alguns Anjos e Caídos eram aclamados como deuses, outros se tornavam guias espirituais e todos esses disfarces com o único propósito de recolher as almas mortais, seja para o Reino dos Céus ou para o Abismo.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Monstro!

O casal chegara à nova moradia, vinham de longe, da casa dos pais do rapaz, mas precisavam de uma vida nova, afinal estavam casados agora. Pretendiam ter filhos talvez um animalzinho para alegrar. Podiam. Eram bem sucedidos, os dois. Ele sócio de uma empresa que acabará de receber o prêmio mais importante do ramo, trabalhava em casa com seu computador top de linha. Ela recebera um convite para estrelar um filme, seu primeiro, depois de tantos anos de teatro. Os frutos começavam a ser colhidos.

O bairro de classe alta na cidade de Villa. Bons vizinhos, nenhum perturbava a paz do casal. Alguns eram até amigos, freqüentavam o grande casarão. Falavam de política, cinema e filosofia. Grandes festas e jantares respeitosos eram sempre servidos pelos nossos renomados anfitriões.

Dois anos se passaram e o primeiro filho estava a caminho. Sete messes de gravidez ela carregava em sua barriga cheia e redonda. Uma linda mãe. O pai, como todos são, medroso, desesperado. Qualquer agitação era sinal de parto. Soava até um pouco engraçado.

Finalmente o grande dia. As contrações eram constantes e as dores insuportáveis. Ele estava perdido “Ligo pro hospital? Ou chamo um taxi? Não, taxi não. Tem meu carro! Amor você está bem?” Os motores ligaram freneticamente com a ansiedade do pai, na primeira tentativa o carro estancou... “Liga... Liga... Maquina estúpida...” Agora sim rumo ao hospital Santa Helena.

“É minha filha!” Ele gritou de dentro da sala de operações. Abraçou o doutor, os enfermeiros e enfermeiras, a recepcionista, o faxineiro. Correu pelos quatro cantos do hospital tão contente, tão seguro. Como uma criança, caiu aos prantos nos pés da mulher. Seu sonho se realizara, tinha uma família de verdade.

Os anos se seguiram de muita alegria para o casal e sua filha Anne, recebera este nome em homenagem a avó da mulher que sustentou sozinha e com pouca renda 13 crianças, morreu aos 87 anos, acometida pelo câncer. O cigarro, seu único vicio. Quando completou 3 anos de idade, Anne se demonstrou muito especial, andava, corria e falava muito bem nosso idioma. Aos 7 anos devorava dúzias e dúzias de livros a cada mês. Ficou doente uma única vez na vida. Uma crise forte de asma que logo passou e nunca mais a irritou. Era sempre a primeira da classe. Sempre a mais querida do bairro. A luz dos olhos de qualquer pai ou mãe. Entretanto não sabia o significado de muitas coisas encontradas em seus livros ou dita pelas pessoas. Palavras como amor, ódio e sentimentos fortes. Era incapaz de sentir qualquer emoção seja ela qual fosse. A simples menção da palavra abria um grande vazio no seu interior. E ela simplesmente não se importava.

Freqüentou muitos psicólogos, analistas e psicanalistas. Alguns afirmavam que era apenas a idade, outros falavam de depressão e mencionavam falta de sensibilidade. Em fim, muitos problemas e nenhuma solução. O problema de Anne foi crescendo de modo a causar constrangimentos e certo medo nas pessoas ao seu redor. Seus pais pouco lhe dirigiam a palavra, a garota era sempre rude, direta e insensível. Os poucos amigos que conseguiu angariar em seus poucos anos de vida, agora já não passavam de sombras e olhares estranhos. Entretanto Anne não sentia falta, ela não sentia nada.

Pouco a pouco, o sonho do casal de ter uma família feliz tornara-se um pesadelo por ter que suportar aquela garota desalmada. Sem ter mais saídas e por desespero da mãe, Anne foi enviada a um internato para garotas. Não era a melhor solução. Ali Anne sofreria os piores abusos inimagináveis, mas ela não se importava com os ocasionais acidentes que sofria na mão de suas colegas de quarto, ou dos castigos da madre superiora.

Anne estava só, ela sempre foi só. Nenhuma das internas a suportavam, Anne nunca baixou a cabeça para elas, mesmo depois de ser severamente espancada uma lagrima nunca rolou-lhe pelo rosto, ou quando culpavam-na por ter roubado alguns centavos da madre superiora não dizia nada e aceitava. Elas a temiam. Elas não a entendiam. Elas a odiavam. E esse ódio foi o grande motivo da desgraça daquele internato.

Cerca de dez garotas se reuniram naquele dia. Iriam dar uma lição final em Anne para que ela nunca esquecesse o quanto se precisa das pessoas e que nunca se sobrevive sozinho, principalmente em lugar onde não se é bem vindo. Após o toque de recolher a movimentação nos quartos começaram. Uma garota gorda e baixinha estava coordenando tudo, ela movimentou sua pequena tropa feminina até a cozinha onde se armaram com facas, garfos e colheres grandes de madeira. Em silêncio, uma a uma entravam no quarto de Anne, as dez já estavam a sua volta quando ela despertou.

Amarrada, imóvel e calada ela apenas observou os corte que recebera em sua pele, os ferimentos abriam-se grosseiros em sua pele. Suas feitoras assemelhavam-se a bárbaros primitivos em volta da caça. Impressionou-se. O sangue que brotava de seus ferimentos escorria e passeava sobre sua tez alva. Sentia finalmente algo. Não a dor dos cortes, nem ódio das meninas que estavam ali lhe retalhando, ou das freiras que não vinham socorrer-la. Ela sentia-se livre de todas as formas. Como alguém que ama a primeira vez, ou que chora a morte de um ente querido. Sentia-se em queda-livre. Excitada. Descobrira o sentido da vida.

Apagou.

“Perdeu sangue demais!” eram as meninas. Ainda estão aqui, pensava Anne. Seus olhos se abriram lentamente, sua situação não permitia movimentos mais bruscos, a cabeça lhe martelava o mesmo sentimento. Liberdade! Levantou-se delicadamente, de forma a não ser notada pela garotas que estavam ali próximo. Queria mostrar-lhes a mesma sensação que sentira. Não! Queria ela sentir de novo, mas desta vez adoraria ser a espectadora. Não! Promoveria a mesma sensação, com a mesma intensidade. Maior. Elas precisavam experimentar.

Os passos ternos de Anne alcançavam o corredor do outro lado da parede do quarto. Seus dedos deslizavam suavemente sobre os móveis, estava ela sentindo pela primeira vez, seu tato era sublime. A mão escorregara por cima de um garfo esquecido ali por uma das internas que lhe promovera tanto prazer. Aos poucos alcançava a sombra formada pelo aglomerado das garotas no corredor. Silenciosa. Delicada. Apaixonadamente erguia a mão armada por sobre uma nuca. Suava frio, o ritmo cardíaco acelerado, não se conteve de tanta excitação. O golpe foi certo uma, duas, três vezes, o garfo ficara ali pendurado e logo seu brilho prateado de novo fora dando lugar ao rubro que escorria e coagulava. Os gemidos de dor e gritos de desespero confundiam-se com a risada histérica de Anne. Enquanto o sangue jorrava por sua camisola já suja e espalhava-se pelo corpo da garota ele se deliciava, como se gozasse de prazer. Múltiplos orgasmos. Sádicos orgasmos.

Por uns instantes Anne viveu de verdade. Amou de verdade. Uma única vez em sua vida, pois o que aconteceria a ela dali em diante seria cruel e profano para qualquer criatura com inteligência mínima descrever em palavras. Não! ela não esta morta, não faria sentido este final.

Ela está presa em algum lugar da consciência daquelas meninas. No fundo da alma de seus pais, em seu sangue. Acorrentada aquele internato para todas que gostariam de ouvir sua história. Ela é um mito, um fantasma. Um monstro.