Palavras do Criador

O Horror Show surgiu de modo a me ajudar expressar minhas ideias. Gosto quando as pessoas escutam minhas narrativas, quando se sentam nas mesas de RPG para fazerem parte da história, então muito do que escrevo aqui fez ou fará parte de alguma crônica, sessão ou enredo ou as veses as história não podem ir para a mesa e acabam indo pro Blog. Então para aqueles que gostam de Histórias de Horror, sintam-se a vontade!!!

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Monstro!

O casal chegara à nova moradia, vinham de longe, da casa dos pais do rapaz, mas precisavam de uma vida nova, afinal estavam casados agora. Pretendiam ter filhos talvez um animalzinho para alegrar. Podiam. Eram bem sucedidos, os dois. Ele sócio de uma empresa que acabará de receber o prêmio mais importante do ramo, trabalhava em casa com seu computador top de linha. Ela recebera um convite para estrelar um filme, seu primeiro, depois de tantos anos de teatro. Os frutos começavam a ser colhidos.

O bairro de classe alta na cidade de Villa. Bons vizinhos, nenhum perturbava a paz do casal. Alguns eram até amigos, freqüentavam o grande casarão. Falavam de política, cinema e filosofia. Grandes festas e jantares respeitosos eram sempre servidos pelos nossos renomados anfitriões.

Dois anos se passaram e o primeiro filho estava a caminho. Sete messes de gravidez ela carregava em sua barriga cheia e redonda. Uma linda mãe. O pai, como todos são, medroso, desesperado. Qualquer agitação era sinal de parto. Soava até um pouco engraçado.

Finalmente o grande dia. As contrações eram constantes e as dores insuportáveis. Ele estava perdido “Ligo pro hospital? Ou chamo um taxi? Não, taxi não. Tem meu carro! Amor você está bem?” Os motores ligaram freneticamente com a ansiedade do pai, na primeira tentativa o carro estancou... “Liga... Liga... Maquina estúpida...” Agora sim rumo ao hospital Santa Helena.

“É minha filha!” Ele gritou de dentro da sala de operações. Abraçou o doutor, os enfermeiros e enfermeiras, a recepcionista, o faxineiro. Correu pelos quatro cantos do hospital tão contente, tão seguro. Como uma criança, caiu aos prantos nos pés da mulher. Seu sonho se realizara, tinha uma família de verdade.

Os anos se seguiram de muita alegria para o casal e sua filha Anne, recebera este nome em homenagem a avó da mulher que sustentou sozinha e com pouca renda 13 crianças, morreu aos 87 anos, acometida pelo câncer. O cigarro, seu único vicio. Quando completou 3 anos de idade, Anne se demonstrou muito especial, andava, corria e falava muito bem nosso idioma. Aos 7 anos devorava dúzias e dúzias de livros a cada mês. Ficou doente uma única vez na vida. Uma crise forte de asma que logo passou e nunca mais a irritou. Era sempre a primeira da classe. Sempre a mais querida do bairro. A luz dos olhos de qualquer pai ou mãe. Entretanto não sabia o significado de muitas coisas encontradas em seus livros ou dita pelas pessoas. Palavras como amor, ódio e sentimentos fortes. Era incapaz de sentir qualquer emoção seja ela qual fosse. A simples menção da palavra abria um grande vazio no seu interior. E ela simplesmente não se importava.

Freqüentou muitos psicólogos, analistas e psicanalistas. Alguns afirmavam que era apenas a idade, outros falavam de depressão e mencionavam falta de sensibilidade. Em fim, muitos problemas e nenhuma solução. O problema de Anne foi crescendo de modo a causar constrangimentos e certo medo nas pessoas ao seu redor. Seus pais pouco lhe dirigiam a palavra, a garota era sempre rude, direta e insensível. Os poucos amigos que conseguiu angariar em seus poucos anos de vida, agora já não passavam de sombras e olhares estranhos. Entretanto Anne não sentia falta, ela não sentia nada.

Pouco a pouco, o sonho do casal de ter uma família feliz tornara-se um pesadelo por ter que suportar aquela garota desalmada. Sem ter mais saídas e por desespero da mãe, Anne foi enviada a um internato para garotas. Não era a melhor solução. Ali Anne sofreria os piores abusos inimagináveis, mas ela não se importava com os ocasionais acidentes que sofria na mão de suas colegas de quarto, ou dos castigos da madre superiora.

Anne estava só, ela sempre foi só. Nenhuma das internas a suportavam, Anne nunca baixou a cabeça para elas, mesmo depois de ser severamente espancada uma lagrima nunca rolou-lhe pelo rosto, ou quando culpavam-na por ter roubado alguns centavos da madre superiora não dizia nada e aceitava. Elas a temiam. Elas não a entendiam. Elas a odiavam. E esse ódio foi o grande motivo da desgraça daquele internato.

Cerca de dez garotas se reuniram naquele dia. Iriam dar uma lição final em Anne para que ela nunca esquecesse o quanto se precisa das pessoas e que nunca se sobrevive sozinho, principalmente em lugar onde não se é bem vindo. Após o toque de recolher a movimentação nos quartos começaram. Uma garota gorda e baixinha estava coordenando tudo, ela movimentou sua pequena tropa feminina até a cozinha onde se armaram com facas, garfos e colheres grandes de madeira. Em silêncio, uma a uma entravam no quarto de Anne, as dez já estavam a sua volta quando ela despertou.

Amarrada, imóvel e calada ela apenas observou os corte que recebera em sua pele, os ferimentos abriam-se grosseiros em sua pele. Suas feitoras assemelhavam-se a bárbaros primitivos em volta da caça. Impressionou-se. O sangue que brotava de seus ferimentos escorria e passeava sobre sua tez alva. Sentia finalmente algo. Não a dor dos cortes, nem ódio das meninas que estavam ali lhe retalhando, ou das freiras que não vinham socorrer-la. Ela sentia-se livre de todas as formas. Como alguém que ama a primeira vez, ou que chora a morte de um ente querido. Sentia-se em queda-livre. Excitada. Descobrira o sentido da vida.

Apagou.

“Perdeu sangue demais!” eram as meninas. Ainda estão aqui, pensava Anne. Seus olhos se abriram lentamente, sua situação não permitia movimentos mais bruscos, a cabeça lhe martelava o mesmo sentimento. Liberdade! Levantou-se delicadamente, de forma a não ser notada pela garotas que estavam ali próximo. Queria mostrar-lhes a mesma sensação que sentira. Não! Queria ela sentir de novo, mas desta vez adoraria ser a espectadora. Não! Promoveria a mesma sensação, com a mesma intensidade. Maior. Elas precisavam experimentar.

Os passos ternos de Anne alcançavam o corredor do outro lado da parede do quarto. Seus dedos deslizavam suavemente sobre os móveis, estava ela sentindo pela primeira vez, seu tato era sublime. A mão escorregara por cima de um garfo esquecido ali por uma das internas que lhe promovera tanto prazer. Aos poucos alcançava a sombra formada pelo aglomerado das garotas no corredor. Silenciosa. Delicada. Apaixonadamente erguia a mão armada por sobre uma nuca. Suava frio, o ritmo cardíaco acelerado, não se conteve de tanta excitação. O golpe foi certo uma, duas, três vezes, o garfo ficara ali pendurado e logo seu brilho prateado de novo fora dando lugar ao rubro que escorria e coagulava. Os gemidos de dor e gritos de desespero confundiam-se com a risada histérica de Anne. Enquanto o sangue jorrava por sua camisola já suja e espalhava-se pelo corpo da garota ele se deliciava, como se gozasse de prazer. Múltiplos orgasmos. Sádicos orgasmos.

Por uns instantes Anne viveu de verdade. Amou de verdade. Uma única vez em sua vida, pois o que aconteceria a ela dali em diante seria cruel e profano para qualquer criatura com inteligência mínima descrever em palavras. Não! ela não esta morta, não faria sentido este final.

Ela está presa em algum lugar da consciência daquelas meninas. No fundo da alma de seus pais, em seu sangue. Acorrentada aquele internato para todas que gostariam de ouvir sua história. Ela é um mito, um fantasma. Um monstro.

2 comentários: